O historiador colorado Stephanos Demetriou nos enviou este texto que estamos publicando na íntegra.
Abelard
Jacques Noronha assumiu a presidência do Sport Club Internacional em outubro de
1942 e esteve à frente da instituição até dezembro de 1944. Dirigente de seis
títulos em seis títulos possíveis: tricampeão municipal e tricampeão estadual
costumava observar os números oficiais do time sob o seu comando: “ - joguei
105 partidas oficiais e perdi apenas sete, fizemos 415 gols e tomamos 174.”
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Arquivo Histórico Sport Club Internacional |
Era
um homem determinado e comandava o clube para alcançar grandes conquistas. Foi
responsável por importantes melhoramentos no Estádio dos Eucaliptos e, em 1943,
construiu o pavilhão social que propiciou maior abrigo e conforto aos
torcedores.
Também
é de vasto conhecimento os esforços implementados por Abelard na manutenção do
assediado plantel do Rolo Compressor, quando costumava recusar propostas de
vulto vindas de São Paulo e Rio de Janeiro afirmando categoricamente: “ -
não negocio os jogadores do meu clube!”
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A
postura do presidente do Sport Club Internacional e os expressivos resultados
do Rolo Compressor foram homenageados por Ary Barroso em crônica intitulada “O
Macumbeiro do Profissionalismo Indígena”,
transcrita integralmente:
Rio, 23.
Nos áureos tempos
do amadorismo puro, o jogador escolhia livremente o clube dos seus afetos e
envergava a sua camiseta com orgulho e entusiasmo. Os vôos eram raros e, quase
sempre, provocavam escândalo. Quando um atleta qualquer trocava de clube, era
cognominado sarcasticamente de borboleta. Os borboletas podem ser os
precursores da “insensibilidade clubística” que contaminou o nosso
profissionalismo. O regime da remuneração organizava (ou desorganizada?) veio
acabar definitivamente com o lado emocional do futebol.
Hoje em dia o
jogador não tem mais preferência. Vai para o Grêmio que melhor lhe pagar. Não
joga por causa do clube, senão pelo contrato a prazo fixo. Tanto se lhe faz
vestir uma camisa branca ou preta, azul ou vermelha, aqui ou em São Paulo, no
Norte ou no Sul. Todo fim de ano é este corre-corre tremendo em busca de
craques, com operações mais ou menos escusas e expedientes geralmente
inferiores.
No panorama do
profissionalismo brasileiro, porém, há um grupo de jogadores sui generis.
As abarrotadas arcas de dinheiro dos clubes milionários do Rio e de São Paulo
absolutamente não seduzem o jogador deste grupo. São profissionais com
mentalidade amadorista. Sentem-se bem onde estão e ouvem com singular
desinteresse as ternas e embaladoras canções das sereias astutas que pretendem abraçar.
Refiro-me ao notável grupo de profissionais do Internacional de Porto Alegre.
O estribilho destas
canções de amor é o mesmo com pequeninas adaptações:
- Que é que vocês
pretendem da vida, perdidos lá pelas lonjuras dos pampas? A felicidade está por
aqui. Há dinheiro, fama, popularidade, cartaz, enfim... Vamos pensar no dia de
amanhã.
E eles continuam
firmes no Internacional... Sai jogador do Pará, de Pernambuco, da Bahia, de
Minas Gerais, do Paraná. Do Internacional não sai. Os emissários vão ao sul e
voltam desnorteados com o livro de cheques intacto. Que será isso? Não é por
falta das sereias cantarem para eles o chorinho buliçoso e metálico das cifras.
Há qualquer segredo no apego destes profissionais do Internacional ao próprio
clube.
Alguém dirá:
- São muito burros.
Responderei:
- De burro não têm
nada. São divinamente sagazes e inteligentes. Querem saber o que um deles me
disse?
- Não me interessam
as propostas formidáveis que constantemente nos fazem representantes de clubes
cariocas e paulistas. Não deixo o Internacional. Vivo bem por lá, rodeado de
amigos sinceros, protegido por meus diretores e amparado pela minha torcida.
Por que hei de abandonar o agradável ambiente em que vivo, pela ambição de mais
alguns cruzeiros? Nem tudo neste mundo se pode comprar com dinheiro. Não, estou
satisfeito no Internacional e já que comecei neste clube, nele hei de terminar
minha carreira. Se o futebol brasileiro precisar de meus modestos recursos,
estarei a sua disposição com prazer e honra. Agora, clube, só o meu.
Quando o craque
terminou eu ainda continuei olhando para ele, meio tonto, meio abobalhado, sem
capacidade para articular uma palavra. Percebendo minha atitude, sublinhou as
suas expressões com este período definitivo:
- É isso mesmo,
“seu” Ary.
Uma espécie de tiro
de misericórdia.
Sacudi a cabeça
como quem espanta o sono e rapidamente dei um pulaço na cadeira e fui cair no
gabinete de trabalho do senhor Abelard Noronha, na capital gaúcha, para
perguntar-lhe com a sofreguidão dos curiosos impenitentes:
- Presidente, o
senhor que é macumbeiro do profissionalismo indígena, o senhor que faz
despachos terríveis e os coloca na porta da casa de seus jogadores a ponto de
inocular-lhes a mística internacionalista, o senhor que não tem medo de tenores
e muito menos de sereias, o senhor feiticeiro dos pampas, quer me revelar a sua
reza milagrosa? Olhe, que sabe não é isso que está faltando ao futebol
brasileiro e nós seremos capazes de fazer uma revolução no profissionalismo
fazendo de todos os jogadores gente da marca dos seus jogadores. Ah, pai de
santo invencível, me dá um pouco de seu marafo.
Porque, meus
senhores, a obra do presidente do Internacional tem sido tão útil, tão grande e
tem produzido tão admiráveis frutos que ele pode ser apontado como único em sua
terra, pondo amor no coração dos seus contratados e retendo no seu clube astros
de invulgar brilho, como este gigantesco Ávila, este satânico Adãozinho, este
incansável Abigail e esta maravilha que é Tesourinha. Eta macumbeiro brabo e
perigoso.
Abelard
era natural de Vacaria, onde nasceu em 22 de outubro de 1911. Além de se
destacar na direção do Internacional, foi piloto de automóveis, tendo
participado de diversas corridas entre 1934 e 1943. Faleceu em fevereiro de 1997.
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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
LIVROS
ANDREATTA, Luiz
Fernando; RENNER, Paulo Roberto. Automobilismo
no tempo das carreteras: em especial no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Edição dos Autores, 1992.
BRAGA, Kenny. Rolo Compressor: memória de um time
fabuloso. Porto Alegre: Já Editores, 2008.
COIMBRA, David;
NORONHA, Nico. A história dos Grenais. Porto Alegre:
Artes e Ofícios, 1994.
OSTERMANN, Ruy
Carlos. Meu coração é vermelho.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1999.
JORNAIS
Correio do Povo,
04 de agosto de 1936.
Jornal do Brasil,
24 de novembro de 1944.
REFERÊNCIA DAS IMAGENS
01 – Abelard Jacques Noronha, em cerimônia inicial de um jogo. Fonte: BRAGA, Kenny. Rolo Compressor: memória de um time fabuloso. Porto Alegre: Já Editores, 2008.
02 – O carro nº 32 pilotado por Noronha se envolveu em uma derrapagem sem grandes conseqüências, mas que custou a sequência na disputa da série. Fonte: Correio do Povo, 04 de agosto de 1936.
03 – Abelard Jacques Noronha e companheiro de competições automobilísticas. Fonte: ANDREATTA, Luiz Fernando; RENNER, Paulo Roberto. Automobilismo no tempo das carreteras: em especial no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edição dos Autores, 1992. p. 119.
Bom dia colorados muito emocionante está história estes eram verdadeiros ídolos.
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